A febre por suplementos vitamínicos é injustificada. Na maioria das vezes, a alimentação diária dá conta do recado. E doses exageradas de vitaminas podem desequilibrar o organismo e causar problemas que vão de cálculos renais a um risco maior de desenvolver câncer
Em 1970, o Nobel de Química Linus Pauling publicou o livro Vitamin C and the Common Cold(Vitamina C e a Gripe Comum, em tradução livre). Na obra, Pauling dava uma solução mágica para erradicar a gripe do planeta: a ingestão diária de 3.000 miligramas de vitamina C — cerca de 50 vezes o recomendado. Mas o britânico não acreditava que a vitamina apenas prevenia a gripe. Segundo ele, ela também curava o câncer. Irritada, a comunidade científica apresentou dezenas de pesquisas — anteriores ao livro e feitas na sequência dele — para provar que Pauling estava enganado: a vitamina C não previne a gripe ou cura o câncer e, em excesso, pode trazer prejuízos ao organismo. No recém-lançado Do You Believe in Magic (Você acredita em mágica?, sem edição em português), o pediatra americano Paul A. Offit, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children’s Hospital of Philadelphia, compila uma série de pesquisas científicas que demonstram que a crença no poder da suplementação de vitaminas não se justifica. "Se não há indicação médica, você não está fazendo nada além de produzir uma urina mais cara."
Tipos de vitamina
VITAMINA A
Presente nas células nervosas da retina, também encarregada de manter a pele, o revestimento dos pulmões, o intestino e o trato urinário em bom estado. Fontes: carne de fígado, vegetais de folhas verdes, ovos e produtos lácteos.
VITAMINA D
Armazenada no fígado, promove a absorção de cálcio e fósforo do intestino — assim, necessária para a manutenção dos ossos. Fonte: leite e cereais enriquecidos, gema de ovo, peixes magros, exposição direta ao sol.
VITAMINA E
Protege as células contra lesões provocadas pelos radicais livres. A deficiência dessa vitamina é rara em crianças mais velhas e em adultos. Fonte: óleo vegetal, gérmen de trigo, verduras, gema de ovo, margarina e legumes.
VITAMINA K
Necessária para a síntese das proteínas que ajudam a controlar as hemorragias e, por isso, para a coagulação normal do sangue. Fonte: vegetais de folha verde, soja e óleos vegetais.
VITAMINAS DO COMPLEXO B
Fundamentais para o metabolismo de carboidratos e aminoácidos, funcionamento normal dos nervos e do coração, formação dos glóbulos vermelhos e síntese do DNA. Fonte: cereais integrais, carne, nozes, legumes, batatas, queijo, fígado, peixe, ovos e leite.
VITAMINA C
Ou ácido ascórbico é essencial para a formação de ossos e do tecido conjuntivo. Também ajuda na absorção de ferro e na cura de queimaduras e feridas. Fonte: cítricos, tomates, batatas, couves e pimentões verdes
* Fonte: Manual Merck
O problema é que a pesquisa de Pauling, mesmo refutada, deu origem a uma crença de que os suplementos de vitaminas são uma boa ideia para evitar doenças e prevenir o envelhecimento. Tanto que, de acordo com o IMS Health Institute, que fornece dados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de junho de 2008 a junho de 2009 foram vendidos mais de 6,1 milhões de suplementos vitamínicos. Quatro anos depois, as vendas saltaram para mais de 7,6 milhões — um crescimento de 25%. O aumento é um reflexo dessa mentalidade em relação às vitaminas, cujas qualidades antioxidantes — capazes de combater os temidos radicais livres e, por isso, afastar cânceres e evitar o envelhecimento — são encaradas como milagres, assim como no tempo de Linus Pauling. Não há, no entanto, nos cursos de medicina das instituições mais conceituadas do planeta nenhuma cadeira que comprove - ou ensine -a indicação de vitaminas, sem existência de uma carência, como algo benéfico à saúde.
"As pessoas procuram um forma simples de ficarem saudáveis e não envelhecer. Mas não existe fórmula mágica", afirma a dermatologista Lucia Mandel, colunista do site de VEJA. "A melhor forma de obter vitamina D, por exemplo, é tomar sol." Celso Cukier, nutrólogo do Hospital Albert Einstein, é categórico quanto ao uso de suplementos sem que exista uma carência nutricional. "Não há nenhuma evidência científica de que a suplementação vitamínica traga algum benefício em casos em que não haja uma deficiência nutritiva", diz. "E alguns casos, como a ingestão de vitamina A por tempo prolongado sem necessidade, pode levar a uma cirrose."
Desperdício — Paul Offit prova com facilidade que o uso exagerado de vitamínicos é um desperdício: o corpo é treinado para expulsar o excesso de vitaminas, que são eliminadas pela urina. Não que as vitaminas sejam algo ruim. Elas são essenciais para a manutenção da vida, sendo usadas pelo organismo durante a transformação do alimento em energia. Mas, como apenas quantidades bem pequenas são necessárias, dificilmente uma pessoa que segue uma dieta variada irá sofrer carência de algum tipo. Divididas entre as lipossolúveis (solúveis em gordura) e as hidrossolúveis (em água), a maior parte das vitaminas não é armazenada pelo corpo — por isso, devem ser consumidas em intervalos regulares.
De acordo com especialistas em nutrição, mesmo aquelas pessoas que acreditam não ter uma alimentação ideal estão, em geral, ingerindo as vitaminas das quais precisam. "Pense no escorbuto, uma doença causada pela carência de vitamina C. Os índices são baixos, não se encontram aleatoriamente pessoas com o problema pela rua", diz Offit. Para o especialista, tanta propaganda em torno das vitaminas faz com que as pessoas exagerem. Como há a crença de que algo bom em excesso não faz mal, ingerem-se indiscriminadamente suplementos vitamínicos sem orientação médica. "Na verdade, a primeira opção deveria ser uma mudança na dieta."
Segundo Celso Cukier, do Einstein, o médico americano tem razão. "Os alimentos — verduras, legumes, laticínios — são mais eficientes em fornecer as vitaminas que o corpo precisa do que as formas sintéticas."
Por que pode fazer mal — Quando as vitaminas são consumidas acima da quantidade recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), há riscos que vão do surgimento de pedras nos rins a um aumento nos índices de mortalidade. No caso da vitamina C, por exemplo, é indicada a ingestão de 90 miligramas ao dia para homens e 75 para mulheres (ambos acima dos 19 anos) — uma laranja tem cerca de 50 miligramas, e mesmo quem não bebe suco de laranja encontrará a vitamina em alimentos que vão do tomate à couve. Exceder esse limite, no entanto, pode levar à formação de cálculo renal.
Em alguns casos, o resultado pode ser mais grave. Em 2004, pesquisadores da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, revisaram 14 estudos que envolviam mais de 170.000 pessoas que faziam a ingestão de vitaminas A, C, E e betacaroteno (pigmento antioxidante, fonte indireta de vitamina A) para prevenir cânceres intestinais. Ao fim do estudo, descobriu-se que as vitaminas não tiveram nenhum papel protetor. "Pelo contrário, elas aparentam aumentar a mortalidade geral", escreveram os autores. Em uma avaliação dos sete melhores estudos dentro dos 14 selecionados, viu-se que as taxas de mortalidade eram 6% mais altas entre aquelas pessoas que tomavam as vitaminas.
Em outra pesquisa de 2005, cientistas da Escola de Medicina Johns Hopkins, nos Estados Unidos, encontraram um aumento nos índices de mortalidade relacionada com a ingestão de vitamina E. O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos observou, em 2007, que dentre os 11.000 homens estudados em um levantamento, aqueles que tomavam multivitamínicos tinham duas vezes mais riscos de morrer de câncer de próstata. "Esses problemas todos ocorrem porque o exagero leva ao desequilíbrio do processo de oxidação", diz Vannucchi.
A guerra contra os radicais livres é justa, mas pode ter ido longe demais. São os radicais livres os protagonistas no processo biológico de envelhecimento — pessoas que comem muitas frutas e verduras têm altos índices de antioxidantes e, assim, menos radicais livres e uma saúde melhor. A lógica, então, parece simples: se eu garantir uma quantidade enorme de vitaminas (que funcionam como antioxidantes) serei mais saudável. "O problema é que o exagero de qualquer coisa é prejudicial, e as pessoas precisam compreender isso", diz Hélio Vannucchi, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
Quem pode — Há, no entanto, alguns grupos para quem os suplementos vitamínicos são indicados. Pessoas com dieta vegana, que não comem nada de origem animal, precisam fazer a reposição da vitamina B12. Gestantes devem ficar atentas à suplementação de ácido fólico (uma vitamina do complexo B) — a falta dessa substância pode causar um problema no feto chamado de espinha bífida. Recém-nascidos que são exclusivamente amamentados e não tomam sol também podem precisar de reposição de vitamina D.
Atletas com carga pesada de treinamento precisam de avaliação médica, uma vez que o metabolismo mais acelerado pode exigir uma quantidade maior de vitaminas do que aquelas encontradas na alimentação. "Mas é essencial que tudo isso seja feita com orientação médica, e que a pessoa faça a ingestão apenas da vitamina que necessita, não de um multivitamínico qualquer", diz Offit. Ou seja, optar por um suplemento por conta própria e "engolir as cápsulas de vitamina todos os dias é algo um tanto inútil."
Mercado — No Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, as vitaminas com concentração dentro do limite diário recomendado são vendidas como produtos alimentares. Assim, podem ser compradas livremente, sem necessidade de receita médica ou da presença de algum tipo de alerta de saúde na embalagem. "Essa é uma área que deveria ser melhor regulamentada, nos padrões dos remédios. Assim, seria possível evitar a sua banalização", diz Offit. Segundo dados apresentados em seu livro, a alteração na legislação não interessa a forte indústria por trás das vitaminas: em 2010, o setor arrecadou 28 bilhões de dólares — 4,4% a mais que no ano anterior. "É tudo uma questão política."
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