Usado na conservação de carnes, em testes laboratoriais ou em processos industriais, o formol ultrapassou o campo técnico para invadir as conversas de bar dos gaúchos depois que o Ministério Público (MP) revelou sua presença em leite adulterado, na semana passada.
Embora possa causar câncer se ingerido por muito tempo, especialistas avaliam que a provável pequena quantidade de formol presente no leite adulterado reduz o nível de risco.
Proibido por comprometer a pureza do produto e por se tornar perigoso se ingerido por longo tempo, o formol não deveria ter sido adicionado, ainda que por acaso, ao leite. O esquema dos transportadores acrescentava ureia para mascarar a perda de proteínas com a adição de água para ganhar volume. Como a ureia contém formaldeído (estrutura orgânica do formol), surgiu a preocupação com a saúde. O MP não sabe com exatidão por quanto tempo a mistura teria ocorrido e a quantidade de formol na ureia.
A Agência Internacional de Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde considera o formol cancerígeno. Não há estudo que especifique quantidade prejudicial à saúde, mas a entidade considera qualquer exposição ou ingestão arriscada.
No caso do leite, é provável que o formol tenha sido absorvido sem prejuízo à saúde, explica Ernane Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e consultor da Sociedade Brasileira de Toxicologia:
– Se fosse grande quantidade, haveria sabor e cheiro.
Onde existe a substância
O formol é encontrado naturalmente em alimentos e integra a formulação de vários produtos
Alimentos
O formol existe em pequena quantidade nos alimentos. Frutas e vegetais contêm de 3 a 60 miligramas por quilo (mg/kg), leite e produtos lácteos têm cerca de 1 mg/kg, carnes e peixes, de 6 a 20 mg/kg. Na água para consumo, a presença é inferior a 0,1mg/kg. No entanto, pode ocorrer contaminação pelo uso de fumigantes na lavoura, por combustão e pela liberação de resinas de formaldeído a partir da louça.
Produtos de beleza
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vedou o uso de formol como alisante de cabelos em escovas progressivas. Por isso, a venda com concentração superior a 37% é proibida em farmácias, supermercados e lojas de conveniência. Hoje, seu uso somente é permitido como conservante na concentração de 0,2% e como endurecedor de unhas na concentração de 5%. Também há presença, em baixa concentração, em xampus e outros cremes para o cabelo, desodorantes, produtos de banho e cremes para a pele.
Tabagismo
Concentrações entre 60 e 130 mg/m3 têm sido medidas na fumaça do cigarro que é aspirada. Uma pessoa que fuma 20 cigarros ao dia, por exemplo, expõe-se ao equivalente a 1 mg no período.
Hospitais e laboratórios
O formol é bastante usado para preservar amostras de tecidos em laboratórios e como conservante de tecido humano, inclusive cadáveres. Os profissionais dessas áreas devem evitar exposição excessiva.
Madeira e papel
A indústria madeireira utiliza formol como resina. Também é encontrado em produtos para envernizar móveis e piso. Moagem de papel gera produtos cobertos com resinas a base de formaldeído.
Fonte: Instituto Nacional de Câncer (Inca)
Quais riscos a ingestão de formol traz à saúde?
Rodolfo Radke, oncologista-chefe da Santa Casa: Pode trazer mutação genética. Isso gera crescimento acelerado das células e pode resultar em câncer. É mais grave em crianças, que têm taxa de aceleração proteica maior.
Ricardo Nogueira, especialista em desintoxicação do Hospital Mãe de Deus: É cancerígeno, afeta a estrutura e a formação celular. O Ministério da Saúde já proibiu seu uso em alisamento de cabelos por exemplo, por entender que trazia riscos à saúde.
Ernane Pinto, professor da faculdade de farmácia da USP e consultor da Sociedade Brasileira de Toxicologia: É cancerígeno, e quando há contato direto causa mal-estar ou irritação na pele. Isso é mais comum com quem trabalha com a substância.
Cláudio Luis Frankenberg, professor de toxicologia de alimentos da PUCRS: É sempre preocupante. É uma solução usada como preservativo, desinfetante, antisséptico. Tem uma toxidade muito alta para quem inala, ingere ou tem contato.
Gerônimo Friedrich, engenheiro químico do Ministério Público do Estado: É cancerígeno, se acumula nos rins, no aparelho urinário e no sangue.
Em que quantidade a ingestão de formol se torna perigosa?
Rodolfo Radke, oncologista-chefe da Santa Casa: Não existe estudo adequado para mostrar em qual quantidade. É como o cigarro. Sabe-se que se consumido por longo período pode gerar câncer, mas não se tem certeza.
Ricardo Nogueira, especialista em desintoxicação do Hospital Mãe de Deus: É preciso uma quantidade enorme e com uma frequência grande para que haja algum risco. Em pequena quantidade, o risco é praticamente zero.
Ernane Pinto, professor da faculdade de farmácia da USP e consultor da Sociedade Brasileira de Toxicologia: O contato com grandes quantidades gera irritação e mal-estar. Quanto a câncer, normalmente é preciso que se consuma por muito tempo para que haja risco significativo.
Cláudio Luis Frankenberg, professor de toxicologia de alimentos da PUCRS: Alguns alimentos já têm formol na produção, mas em quantidades ínfimas.
Gerônimo Friedrich, engenheiro químico do Ministério Público do Estado: É difícil mensurar, mas qualquer adição de formol ao leite já é proibida. Tem de haver estudo mais aprofundado para saber em quais quantidades deveria absorver.
Qual a probabilidade de que alguém que tenha consumido regularmente leite adulterado desenvolva câncer?
Rodolfo Radke, oncologista-chefe da Santa Casa: Se for consumido aos poucos, o produto é eliminado pelo organismo. Mas é de se preocupar se tiver sido consumido diariamente em muita quantidade e por muito tempo.
Ricardo Nogueira, especialista em desintoxicação do Hospital Mãe de Deus: Nenhuma, não é preciso se alarmar. A ureia era diluída em toneladas de leite, então a presença do formol era muito pequena.
Ernane Pinto, professor da faculdade de farmácia da USP e consultor da Sociedade Brasileira de Toxicologia: Pouca, pois o fato de não sentir cheiro nem sabor sugere que era muito diluído. É preciso pelo menos cinco vezes mais formol no alimento do que a quantidade existente ao natural para que haja risco.
Cláudio Luis Frankenberg, professor de toxicologia de alimentos da PUCRS: Pelo que se viu, houve muita diluição no leite, misturado com o produto de diferentes fornecedores, então independentemente da frequência de consumo, há pouca quantidade e o risco diminui.
Gerônimo Friedrich, engenheiro químico do Ministério Público do Estado: O mais grave é que se tenha retirado as proteínas do leite, que é sua constituinte nutritiva. Como não houve mal-estar do consumidor, não deve ser sido absorvida grande quantidade.
Quem tomou o leite adulterado deve procurar ajuda médica?
Rodolfo Radke, oncologista-chefe da Santa Casa: Não é o caso, pois é uma questão de mutação genética que não é apresentada em testes químicos, por exemplo.
Ricardo Nogueira, especialista em desintoxicação do Hospital Mãe de Deus: Não há necessidade.
Ernane Pinto, professor da faculdade de farmácia da USP e consultor da Sociedade Brasileira de Toxicologia: Apenas se apresentou algum sintoma de contato direto, pois exames não apontariam quaisquer efeitos de longo prazo.
Cláudio Luis Frankenberg, professor de toxicologia de alimentos da PUCRS: Não há por que se alarmar, ao menos que se constate que se consumiu por muito tempo.
Gerônimo Friedrich, engenheiro químico do Ministério Público do Estado: Como não houve consumo por muito tempo, a princípio não há motivo.
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